Há muito tempo que os meus pais e os meus quatro avós me
tinham prometido ir passar com eles um dia na praia e esse dia chegou
finalmente.
O dia amanheceu perfeito numa praia do imenso areal da Costa
da Caparica.
Era Agosto, o Céu espelhava o azul do Oceano Atlântico.
O dia ia estar quentinho, pela manhã o termómetro já marcava
os 22 graus.
Não havia vento, a maré estava vazia e às oito horas da manhã
só havia na praia os madrugadores que gostam de fazer as suas caminhadas e de
respirar o ar húmido e salgado da manhã.
Os dois nadadores salvadores iam entrar de serviço às oito
horas, chegaram poucos minutos antes e foram alertados pelos madrugadores que
no mar, ao longe, havia qualquer coisa a mover-se.
Quando nós chegamos vimos esse pequeno grupo de nariz no ar,
olhos perdidos no mar, a mão direita sobre os olhos a servir de pala, para os
proteger do sol, todos na tentativa de ver algo.
Perante este enigma, ficamos nós também parados alguns
instantes e intrigados por não ver-mos
nada de especial; o avô Ilídio, o mais
curioso de todos nós, resolveu perguntar a um dos madrugadores o que se
passava.
“ O que é que se passa? O que é que estão a tentar ver? “
“ É ali naquela direcção ! … Não vê uma pequena bolinha a
mexer-se ? “
“ Hummm … não … não vejo nada, “ disse o avô Ilídio.
“ Também não vejo nada disse a avó Teresa. “
“ Nem eu disse a avó São. “
Nem o avô Rui, nem o pai, nem a mãe viam nada.
E de súbito: “ Ali … ali … disse a mãe … e apontava com o
dedo para algures dentro do mar … parece que estou a ver qualquer coisa muito
longe. “
“ Ali Migú … nesta direcção …
- e apontava de novo com o dedo – lá muito longe, não vês? “
“ Sim mãe … parece que já vejo uma coisa preta a mexer-se- “
“ Eu vou la ver o que é !... Com a minha prancha de surf
chego lá num instante. “
“ Não … Migú … não … não faças isso, é muito perigoso, é mui
… peri … não … Migú … não … Mas … ele
foi mais rápido do que a própria rapidez, e já era tarde de mais para impedir
que o Miguel entrasse na agua.
Com a prancha debaixo do braço, aos saltinhos para melhor vencer a oposição das pequenas
ondas, demorou breves instantes até ficar deitado em cima da prancha e com
braçadas vigorosas e forte bater de pernas ia galgando metros na direcção da
desconhecida bolinha preta.
Entretanto, em terra os nadadores salvadores tinham agora uma
dupla preocupação, a bolinha preta e o pequeno surfista e como não tinham mota
de agua para rapidamente entrarem e acção não lhes restava alternativa. Teriam que esperar.
O avô Rui era o mais optimista e dizia aos nadadores
salvadores:
“ Não se preocupem, o Migú sabe o que faz, ele vai conseguir
voltar. “
“ Ele sabe nadar, dizia o pai. Vai correr tudo bem. “
O Migú frequenta um curso de surff na Caparica, ele é forte e
vai conseguir “ - dizia a mãe -.
O avô Ilídio e a avós São e Teresa de nervosas, não diziam nada.
Com o avançar do tempo chegavam cada vez mais pessoas à
praia, que se juntavam aos presentes e imitavam-nos olhando para o mar na
expectativa de saber o que se estava a passar.
Os minutos foram-se passando e a pequena bolinha preta ia
ganhando volume à medida que se ia aproximando da praia, sempre com o nosso
pequeno surfista ao lado.
Já dava para ver que a pequena bolinha preta não era assim
tão pequena e tinha braços e que vigorosos eram esses braços, a nadar Crawl, a
cada braçada avançava metros.
Passaram-se mais uns minutos e já mais perto podia ver-se que
a bolinha preta era um nadador equipado com fato térmico preto e dava gosto
vê-lo rodar os braços no ar, ora o esquerdo ora o direito, num movimento
perfeito e ritmado que só podia ser
executado por alguém que dominasse muito bem os segredos da natação.
E, eis que chegam à praia. De pé e com agua pela barriga
descobre-se que a bolinha preta é uma senhora, ex nadadora de aguas abertas,
equipada a rigor, com fato térmico,
touca e barbatanas.
Nessa altura os dois nadadores salvadores aproximam-se dos
recém chegados e advertem-nos do perigo que a sua façanha encerrava.
“ Hoje apeteceu-me vir dar umas braçadas pela manhã, “ disse
a nadadora.
Dava para perceber que a senhora sabia o que estava a fazer,
pois quando saiu da agua mostrava um corpo de nadadora . Dir-se-ia igual ao do
campeão Baptista Pereira que ganhou a travessia do canal da Mancha no longínquo
ano de 1954 com o tempo de 12h25m.
“ Pois … mas de futuro avise-nos com antecedência para não
ficar-mos preocupados, O.K. “
“ E tu campeão … safaste-te bem, mas para tua segurança não
repitas de novo esta história. “
“ Eu ando a aprender surf na Caparica Surf Academy e não sou nenhum GROM, já passei a
fase do Bodysurfing, agora ando a aprender o Aéreo e sei nadar muito bem porque vou nadar para a piscina dos meus
amigos. “
“ Tá bem … continua por esse caminho que vais bem
encaminhado, mas não abuses da sorte, porta-te bem e cuida de ti.”
Lá em cima no azul dos céus, Neptuno o Deus dos mares,
esfregava as mãos de contente por ver cá em baixo tão exímios executantes das
artes mareantes.
Com este discurso, os nadadores salvadores deram por
terminada a aventura “ bolinha preta. “
Foram para o seu posto de vigia e estavam de novo livres para
ajudar alguém em dificuldade.
A nadadora “ bolinha preta “ foi para o seu trabalho. Ao que
se apurou, trabalhava numa Câmara Municipal aqui na zona Sul, no pelouro do
desporto. Não se foi embora sem exaltar a coragem do Miguel, por ter ido ver se
havia alguém em apuros e a precisar de ajuda. Convidou-o ainda para assistir às
próximas eliminatórias de natação das Seixaliadas que decorriam na altura.
Foi-lhe ainda oferecido um curso intensivo de natação durante
um ano na piscina da sua Câmara.
E o Miguel lá ficou com os seus pais e avós, feliz e eufórico
a receber recomendações de como agir em casos futuros, mas todos muito
orgulhosos no filho e no netinho que tinham.
Todos procuraram um lugar no imenso areal da praia, abriram
os guarda sois, estenderam as toalhas, protegeram-se com o protector solar
factor 50 e deste modo estavam a dar seguimento ao dia de praia que prometia
ficar na história destas simpáticas personagens.
E, de súbito ouviu-se um convite: “ Vamos ao mergulho …? “
Vamos, e todos desataram a correr em direcção à agua que
estava tépida, até o avô Rui que é um friorento nato repetiu a dose.
Em boa companhia as horas passam-se mais rapidamente e eis
que são horas do almoço.
Dos lados do restaurante da praia vinha um cheirinho
apetitoso a sardinhas assadas, a convidar
ao almoço e a obrigar-nos a salivar de apetite!...
“ E que tal se fossemos comer uma sardinhas, não era boa
ideia? “Sugeriu a mãe.
“ Oh … Carla, como sempre só tens boas ideias e esta não foge
à regra, vamos a isso, disse o pai. “
As sardinhas estavam fresquíssimas e muito bem assadas, até o
Miguel comeu três e gostou.
Depois do almoço e das bicas voltamos para os nossos guarda
sois e continuamos a desfrutar da companhia uns dos outros.
O sol luminoso continuava a brilhar e a aquecer a agua do
mar. Os seus reflexos cintilavam sobre o azul irrequieto das ondas.
Os barcos de pesca começavam agora a regressar da faina e iam
sendo uns atrás dos outros puxados por potentes tractores.
Os pescadores iam descarregando o peixe no areal, por entre
uma revoada de gaivotas que evoluíam por cima dos pescadores e do peixe todas a
grasnarem com excitação perante o cheiro e a visão do pescado, mas nenhuma se
atrevia a aproximar-se receando a atenção dos pescadores.
Os meus avós aproveitaram a oportunidade e compraram um saco de peixe por cinco euros.
De uma coisa podiam ter a certeza, a de que o peixe era
fresquíssimo.
“ Papá, Mamã e avós eu adorei o dia de hoje na praia, temos
que repetir mais vezes. “
“ O tempo que nós passamos divertindo-nos não é tempo
perdido. “
“ Nós também adoramos estar contigo Miguel, concordamos e
prometemos que vamos repetir, mas se possível sem a “ bolinha preta. “
Mário
Miranda
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