GERAÇÕES À RASCA

TRISTES RECORDAÇÕES DO PASSADO











Vivemos agora a época da “Geração á rasca”e não lhes faltam nem motivos nem razões para protestar.

Antevejo ainda dias mais escuros e se os queremos iluminar teremos de trabalhar muito.

Não é com reduções salariais que se resolvem politicamente os problemas criados neste País.

Concordo sim com cortes salariais onde se justifiquem.

Quem tem duas ou três chorudas reformas e tem um cargo de Director, Administrador ou outro semelhante, teria de ceder esses lugares de trabalho aos mais jovens, porque também eles sabem dirigir e administrar empresas.

Temos que criar postos de trabalho rentáveis e não investimentos de grande monta que só afundam o País.

Mas, o tema são as tristes recordações do passado, indesejáveis mas verdadeiras; não julguem que estou a inventar!..

Nasci em 1941 e do que me lembro a partir dos cinco anos não é nada de meritório pois a geração dessa época ainda era mais “á rasca” que a de agora, pois nas aldeias que é do que posso falar, os trabalhos que havia eram no campo e os empregos eram com uma enxada, uma foice, uma pá e picareta, ou ainda atrás das vacas ou muares agarrado ao rabo da charrua do nascer ao pôr-do-sol, isto quando o “bolachudo Sol” se deixava ver, porque de outro modo era até escurecer.

Havia uma vantagem, a esperança de vida não atingia nunca a idade da reforma, simplesmente porque esta não existia.

Morria-se mais coisa menos coisa, por volta dos sessenta anos, isto é, havendo saúde, porque de contrário não havia tempo nem dinheiro para ir ao médico nem comprar medicamentos.

Ainda me recordo das profecias do “Bandarra” que profetizavam: ”O Mundo a dois mil chegará mas de dois mil não passará.”

Assim, e feitas as contas, no que me dizia directamente respeito, nesta data eu já teria cinquenta e nove anos e então todo contente dizia: “ A mim já não me vai afectar, já terei a minha vida vivida.

Uma das partes mais chocantes destas recordações era a educação; não havia escolas e as poucas que existiam ficavam distantes dos dispersos e isolados povoados.

Mas, além disso os progenitores não dispensavam os seus filhos (na maioria dos casos) para irem á escola, porque eram precisos para o trabalho infantil, ora fosse ajudar nas lides domésticas da família, ou trabalhar diariamente por conta de outrem, ou ainda pô-los a servir em casa de alguns fazendeiros a troco de “umas migas,” um par de calças ou alguns géneros alimentícios de que a família necessitava.

Empregos não havia e toda a actividade girava á volta da vida agrícola.

E a alimentação como era?

Um homem que dava o “litro” num dia inteiro de intenso trabalho, sendo de verão comia ao almoço um gaspacho, “que consta de uns tomates pisados com sal, alho, água do poço e umas sopas de pão duro.”

Como era isto comido?

Se havia uma colher e eram cinco ou seis homens à volta da “malga” do gaspacho, a mesma colher servia para todos e enquanto um mastigava, o outro servia-se da colher e assim dava a volta completa e repetia-se o ciclo.

Se não havia colher fazia-se uma de um “canelo” de pão duro e o gaspacho comia-se.

No fim o “canelo” de pão já estava mole e comia-se também.

Isto é que era higiene!..

Não se admirem de lhes dizer que durante um mês, no mínimo, se comiam trinta gaspachos, sim… mesmo no mês de Fevereiro!..

Para lavar a garganta ia-se ao ribeiro que corria perto e de rabo no ar mergulhava-se o “focinho” na água e bebia-se até saciar a sede, não importava a que alguns passos acima estivesse algum gato morto dentro da água do ribeiro, uma “bosta” de vaca ou qualquer outra imundice.

À noite a ceia era umas couves cozidas com um bocadinho de toucinho do porco criado pelas próprias pessoas; era morto semestralmente e a sua generosa e saborosa carne, era dividida racionalmente porque um semestre é muito longo e os estômagos têm que ser saciados diariamente; a cena repetia-se todos os dias igual.

Outra “cena” que merece destaque, é como muita gente sabe que todo o camponês anda sempre com um canivete no bolso, cujo utensílio serve para tudo, e tudo quer dizer, por muito estranho que pareça:

Serve para cortar os alimentos, o pão os tomates as couves, etc., ao mesmo tempo faz de palito para palitar os dentes de algum resto de alimento que ai fique preso.

Servia ainda de corta unhas ou para descascar um “calo” que se avolumava num pé devido ás rijas botas de couro.

Havia ainda alguns jeitosos que nas horas de ócio as ocupavam a fazer flautas e outras coisas em madeira ou cortiça, que embora toscas eram interessantes, e mostravam a habilidade de quem as fazia.

De outro modo dizendo, o canivete é a arma indispensável para o camponês.

Nesses tempos a vida ainda era mais dura que hoje, mas toda a gente tinha trabalho.

No verão predominavam as ceifas, as debulhas e ainda a apanha e recolha dos frutos secos, tais como: Os figos, alfarrobas, amêndoas etc.

No inverno estrumavam-se e podavam-se os pomares, semeavam-se os cereais de pragana como a aveia, centeio, cevada e trigo, abriam-se as covas para a plantação na Primavera de árvores de fruto, etc.

Só que no Inverno quando se metia a chover, eram 15 dias seguidos.

As terras inundadas não consentiam o amanho, as sementeiras e outros trabalhos eram impossíveis, logo, não se trabalhava, também não se ganhava, mas as despesas corriam ainda maiores, porque não havendo que fazer, os homens juntavam-se na taberna a jogar as cartas e a beber uns copos para afogar as mágoas, muitas vezes para pagar só quando houvesse dinheiro.

Não é com prazer que descrevo este modo de vida do “serrano” nos anos quarenta e cinquenta, que só se veio a alterar um pouco a partir da década de sessenta, quando apareceram as sondas marítimas que muito ajudaram na captura do pescado, dinamizando as fábricas de conserva de peixe, que em Vila Real de Santo António chegaram a ser mais de uma dezena, desenvolvendo assim outras áreas como a construção civil e o comércio.

Esperemos que agora apareça uma “ nova sonda “ supersónica que dinamize a economia e crie emprego para esta geração que “está á rasca”e promova um desenvolvimento sustentável e rentável sem que seja necessário recorrer ao investimento no T.G.V. que a priori” não trazem lucros compensativos e como é sabido pessoal “à rasca” não viaja nem de graça.

                                                                           Venâncio Rosa

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